A urbanização trouxe progresso e melhorou a vida da humanidade,
mas deixou muita sujeira pelo caminho. A questão de nosso tempo: o que fazer
com o espantoso – e quase inevitável – volume de detritos das grandes cidades
de modo a transformá-lo em riqueza.
Boa parte dos atos que a humanidade pratica cotidianamente sem
pensar é seguida de outro gesto automático: sobrou, jogou fora. Assim, de
latinha em latinha, de saquinho em saquinho, de caroço em caroço, de folha em
folha, de caixa em caixa, de celular em celular, enfim, de resto em resto, um
cidadão ocidental produz, em média, a cada ano, 500 quilos de lixo urbano. Um
brasileiro é responsável por 378 quilos anuais. E, como lixo é lixo, ou seja,
algo de que não se precisa e que não se quer ter por perto, ainda mais porque
faz mal à saúde e ao planeta, governos, cientistas, indústrias e a população em
geral empenham-se atualmente em encontrar formas de tratar a lixarada e reduzir
sua quantidade – de preferência, ganhando dinheiro com isso.
O lixo, evidentemente, é tão velho quanto a humanidade. Nem
sempre, porém, foi problema. Na pré-história, grupos nômades alimentavam-se da
caça, da pesca e dos vegetais e os restos da refeição – ossos, peles e casca
dos frutos – eram largados no solo e seguiam o ciclo natural, numa espécie de
éden ecológico. Cada rajada de progresso desde então contribuiu para que os
detritos aumentassem, sem que isso incomodasse muito as pessoas em volta (o
asseio, em diversas sociedades, foi um conceito que custou a pegar). São muitas
as ilustrações de Londres e Paris na Idade Média que mostram ruas emporcalhadas
e dejetos sendo lançados das janelas sobre transeuntes incautos. Jean-Baptiste
Debret, o retratista do Rio de Janeiro antigo, e outros artistas daquele tempo
desenharam os escravos, chamados de tigres, que à noite transportavam em
tonéis, nas costas, o lixo das casas e o despejavam no mar e em lagoas. A visão
do lixo como problema a ser enfrentado só se firmou no século XIX, quando a
Revolução Industrial instituiu um novo patamar de tecnologia, de conforto, de
produtos – e de resíduos, montanhas de resíduos. O lixo, a partir daí, e
empurrado pela comprovação científica de seu papel como causador de doenças
várias, começou a ser um desafio para a humanidade. A industrialização incorporou
ao cotidiano das pessoas uma série de novos produtos – e, mais que todos eles,
o onipresente plástico, que, por demorar um século para se decompor e nunca
desaparecer completamente, hoje enfeia ruas, praias, rios e até o fundo do mar.
O impulso industrial também contribuiu para o surgimento das metrópoles – e,
quanto mais gente confinada em determinado espaço, mais detritos se acumulam.
Na virada do século XIX para o XX, a limpeza urbana tornou-se uma
preocupação séria. A primeira empresa desse segmento no Brasil, contratada pela
cidade do Rio de Janeiro em 1876, era comandada por Aleixo Gary – seu sobrenome
virou sinônimo de coletor de lixo. Em São Paulo, o primeiro contrato para
coleta, limpeza de bueiros e incineração de lixo foi feito em 1893. Das carroças
aos caminhões de coleta e aos caminhões-pipa, para lavagem das vias, décadas se
passariam ainda.
A acumulação de sujeira é inevitável, faz parte do mundo atual e não para de
crescer e se multiplicar, com novos e problemáticos ingredientes. Às toneladas
de garrafas, sacolas e embalagens de plástico descartadas todos os dias vieram
se somar, mais recentemente, placas, teclados e outros componentes de
computadores, impressoras, celulares e demais exemplares de uma nova categoria,
o lixo eletrônico, ou e-lixo. Diante de tantos e tão variados detritos, muita
gente está buscando meios de lidar com o que se joga fora. “O destino do
lixo é a nova fronteira da evolução humana”, diz Sabetai Calderoni, doutor
em ciências pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em planejamento
pela Universi¬dade de Edimburgo, na Escócia, e autor do livro Os Bilhões
Perdidos no Lixo. “De agora em diante o homem tem de transpor esse
obstáculo para progredir.” À medida que soluções vão sendo pensadas, o
lixo vai se transformando ele próprio num grande negócio. Empresas de coleta,
tratamento e reciclagem, um setor já avançado nos países desenvolvidos e ainda
incipiente, mas em franca expansão, naqueles em crescimento, como o Brasil,
empregam milhares de pessoas e movimentam grandes quantias. Nos Estados Unidos,
as empresas de coleta e tratamento de lixo urbano faturam 57 bilhões de dólares
por ano.
Marco
Aurélio – Notícias do Maranhão