O RETROCESSO DE FACHIN

PML Brasil 247 

O
voto de Edson Facchin, ontem, quando validou os atos tomados por Eduardo Cunha
no encaminhamento do impeachment, tem um alcance maior do que se costuma
avaliar. Facchin chegou a corte, em maio, como um magistrado de posições
garantistas, corrente jurídica que faz do respeito aos direitos fundamentais
uma questão absoluta — e por essa razão foi alvo de ataques que beiravam a
fúria por parte de senadores da oposição que fizeram sua sabatina.
Ontem, Facchin assumiu outra postura. Rejeitou o pedido
de que Dilma possa ter direito a defesa prévia antes da abertura do processo na
Câmara de Deputados. Isso quer dizer que, na prática, a presidente deverá
permanecer em silêncio os debates do plenário, que devem concluir pela fatídica
votação de dois terços para o caso ter prosseguimento. Acusado sem direito a
defesa? Sem contraditório, natural em todas as etapas de um processo? Pois é.
O ponto importante, no entanto, envolve o papel do
Senado. Nesse ponto, a decisão de Facchin é um retrocesso em relação a situação
vigente no país, assumindo uma postura que vai no sentido contrário a evolução
do direito e defesa de garantias. Vamos concordar que há ou pode haver um
debate sobre a função do Senado num caso de impeachment.
Pelo artigo 86 da Constituição, pode-se concluir que
apenas a Câmara tem algo a dizer sobre a abertura de um processo com o
presidente da República. Ali se diz que “aprovada a acusação contra o
presidente, será ele submetido a julgamento perante o STF.”  Ocorre a
mesma Constituição diz, em seu artigo 52, que “compete privativamente ao
Senado Federal processar e julgar o presidente e o vice-presidente.” Há
uma dúvida? Claro que há.
Ocorre que ela foi debatida em setembro de 1992, quando
o país discutia o impeachment de Fernando Collor. E foi aí que se chegou a uma
conclusão, como lembrei aqui neste espaço, dias atrás. Há uma jurisprudência
para este caso.
Num relatório que sintetiza a decisão aprovada de um
plenário preocupado com o uso político de um instrumento jurídico delicado, o
ministro Octávio Gallotti lembrou que caberá aos deputados verificar “se a
acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis,
não sendo a acusação simplesmente fruto de quizílias ou desavenças
políticas.”
A decisão do STF também reforçou o papel do Senado no
processo – o que revela mais uma cautela em nome dos direitos de
defesa.   
Se a denúncia pode ou não ser aceita pela Câmara,
“será na esfera institucional do Senado, que processa e julga o presidente
da República, nos crimes de responsabilidade, que este poderá promover
indagações probatórias admissíveis.”
Isso quer dizer que a decisão da Câmara tem um caráter
inicial, no entender do plenário do Supremo de 1992.
Conforme Gallotti, a acusação pode “somente
materializar-se com a instauração do processo, no Senado.”
O texto prossegue: “Neste é que a denúncia será
recebida, ou não, dado que a na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da
acusação.”
A frase cuidadosa e clara — “a denúncia será
recebida, ou não” pelo Senado — indica o esforço do STF para delimitar o
terreno e proteger  um poder que expressa a soberania popular. Não deixa
dúvida sobre o papel essencial do Senado.
Já era assim em 1992, quando o STF debatia como poderia
encaminhar o julgamento de Fernando Collor, alvo de denúncias abundantes e
provas consistentes de crime de responsabilidade, a tal ponto que seu
afastamento obteve o consenso político do PSDB e do PT, do PMDB e das
principais entidades representativas do Direito.
Com seu voto de ontem, Fachin tornou a presidência da
República mais vulnerável a “quizílias e desavenças políticas”, para
usar a linguagem de Otavio Galloti.
Este é o debate a ser feito hoje, quando o debate será
retomado no STF.

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