Após Cunha pedir propina a lobista, Lobão reclama: “você enlouqueceu?”

O lobista Júlio Camargo, um dos
delatores da Operação Lava Jato, relatou em um seu depoimento à Justiça Federal
que, em 2011, encontrou-se no aeroporto Santos Dumont, com o então ministro das
Minas e Energia, Edson Lobão, para se queixar de suposta pressão do atual
presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
que estaria cobrando propina atrasada. Na ocasião, segundo o delator estava
sendo pressionado pelo peemedebista, que queria receber propinas de US$ 5
milhões relativas a um contrato de navios-sonda da Petrobrás. Julio Camargo diz
que representava a empresa Mitsui, contratada pela estatal.
No encontro no aeroporto, Julio
Camargo exibiu a Lobão cópia de um requerimento de informações que teria sido
articulado por Eduardo Cunha. O documento original havia sido encaminhado ao
Ministério das Minas e Energia, com indagações sobre os contratos da estatal
com a Mitsui.
Segundo o lobista, o requerimento
teria como objetivo pressionar a empresa, porque ele não estaria pagando uma
parcela da propina que havia combinado. O deputado seria um dos
“destinatários finais” de propina paga nos contratos de navios-sonda da
Petrobrás investigados pela Operação Lava Jato.
No aeroporto, ocorreu a seguinte
conversa. “Eu disse a ele: ‘ministro, está acontecendo um fato desagradável.
Existe um requerimento disso, uma empresa que  eu represento, que eu acho
que só traz benefícios para o País, tem trazido dinheiro japonês barato, tem
sido um constante financiador das obras da Petrobrás e recebo um requerimento’.
Mostrei para ele (Lobão) a cópia. A reação dele imediata foi a seguinte: ‘Isto
é coisa do Eduardo’. Pegou o celular e ligou para o deputado Eduardo Cunha na
minha frente. E disse: ‘Eduardo, estou aqui com o Júlio Camargo, você está
louco?’ Não sei qual foi a resposta do deputado. Mas ele disse (a Cunha): ‘você
me procure amanhã cedo no meu gabinete em Brasília, que eu quero conversar com
você’. Ele desligou o telefone e disse: ‘Júlio, o que te preocupa nesse
requerimento? Existem coisas erradas?’. Eu falei: ‘ministro, não tem nada
errado’. Ele disse: ‘Se não tem nada errado, não há o que se preocupar. O que
eu posso fazer é pedir para acelerar a verificação desse processo para que isso
termine o mais rápido possível’. ‘Eu agradeço se o sr. fizer isso, já é uma
coisa interessante’.”
O trecho de depoimento teria servido
de base para a denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República contra o
presidente da Câmara. Cunha é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e
formação de quadrilha.
Nesta quinta-feira (20), a Procuradoria-Geral da
República (PGR) apresentou
denúncia
 
contra Cunha pelos crimes de corrupção e lavagem de
dinheiro. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, requereu também a
devolução de US$ 80 milhões que seriam fruto de desvios e por danos causados à
Petrobras.
De acordo com a denúncia, no dia 31 de agosto de
2011, Júlio Camargo foi ao gabinete do então diretor de refino e abastecimento
da Petrobras, Paulo Roberto Costa, para pedir uma “reunião urgente” com o então
ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. A reunião tinha como objetivo
discutir a apresentação de dois requerimentos perante a Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, formulados pela
então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), um mês antes, contra as empresas do
grupo Samsung e Mitsui. Almeida é aliada de Cunha e, de acordo com a PGR, esses
requerimentos foram apresentados de forma a pressionar Camargo a pagar a
propina solicitada pelo presidente da Câmara.
A reunião entre Camargo e Lobão aconteceu na Base
Aérea do aeroporto Santos Dumont, em São Paulo, entre as 18h e 19h, de acordo
com a denúncia da PGR. “Após relatar ao ministro que se considerava ‘amigo do
PMDB’, Júlio Camargo esclareceu que havia ficado surpreso com um requerimento
da então deputada Solange Almeida, solicitando todos os contratos da Mitsui
para serem apurados”, descreve a PGR no documento.
Na reunião, de acordo com a PGR, o ministro Lobão
afirmou, com base na delação de Camargo, “isto é coisa do Eduardo”, em
referência ao presidente da Câmara. Ainda para a PGR com base nas delações do
ex-consultor da Toyo Setal, no mesmo instante, o ministro ligou para Cunha e,
na frente do empresário, reclamou. “Eduardo, estou com o Júlio Camargo aqui do
meu lado, você enlouqueceu?”, teria dito do ministro. “No entanto, mesmo com a
intervenção do Ministro das Minas e Energia, a pressão não cessou”, ressaltou a
PGR.
Depois, conforme narra a denúncia da PGR, Camargo
procurou o lobista Fernando Soares (o Fernando Baiano), tido como operador do
PMDB, para que ele tentasse conter as pressões de Cunha. Mas não obteve
sucesso. Pela denúncia da PGR, a pressão contra as empresas ligadas à Camargo
somente diminuíram quando ele procurou diretamente o doleiro Alberto Youssef. Youssef
aconselhou o ex-consultor da Toyo Setal a pagar os valores devidos ao
parlamentar fluminense e, a partir daí, Camargo pediu uma reunião diretamente
com Cunha para tratar deste débito.
A reunião entre Camargo, Fernando Baiano e Eduardo
Cunha, conforme a PGR, ocorreu no dia 18 de setembro de 2011, entre as 19h e
21hs, em um prédio chamado Leblon Empresarial. Pelas informações da PGR, Cunha
chegou em um veículo Range Rover, placas EIZ 8877. O carro entrou no prédio às
19h14 e saiu às 20h03. Conforme a PGR, foi nesta reunião que Eduardo Cunha
efetuou o pagamento de propina.
Segundo a delação premiada de Júlio Camargo,
apresentada ao STF, Eduardo Cunha disse que “não teria nada de pessoal contra
Camargo”. Mas que ele precisava receber o dinheiro devido por Fernando Baiano,
que era o intermediário entre Camargo e o pemedebista. “Eu não sei da história,
nem quero saber. Eu tenho um valor a receber de Fernando Soares e que ele
atrelou a você”, teria dito Cunha com base no depoimento de Camargo. “Eu ainda
tenho que receber US$ 5 milhões em relação a este ‘pacote’”, pontuou Cunha, com
de acordo com o depoimento do ex-consultor da Toyo Setal.
“Importante ressaltar que nessa reunião Fernando
Soares ficou passivo, tendo as negociações sido feitas apenas e diretamente
pelo denunciado Eduardo Cunha com Júlio Camargo”, ressalta a PGR na denúncia.

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