YOUSSEF E COSTA: QUAL DOS DOIS ESTÁ MENTINDO?

A
acareação entre o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás, Paulo
Roberto Costa terminou num conflito inconciliável de versões, levando a uma
conclusão óbvia: um dos dois está mentindo.
Ocorreu
aquela situação na qual, com o perdão do vocabulário, mas apenas em respeito às
palavras originais de um procurador que alertou para o risco que uma acareação
representar. Lembrou o que costuma acontecer quando se mexe em “bosta seca….”
Você pode imaginar, certo?
É
razoável perguntar o que acontece daqui para a frente.
Foi
a partir da delação premiada dos dois que o Ministério Público construiu a
denuncia da Lava Jato, emparedou Lula, esvaziou o governo Dilma e criou um
ambiente de terror nos meios políticos e na economia.
A
base da delação premiada reside na confiança absoluta do delator que,
obviamente, não pode mentir.
Também
não pode fantasiar fatos, nem permitir-se um exercício que os psicanalistas
chamam de fabulação. A simples delação premiada de Alberto Youssef já era
colocada em dúvida antes disso. Está provado que ele mentiu em outra
investigação, sobre o Banestado. Por esse motivo, o juiz aposentado Gilson
Dipp, um dos maiores especialistas no assunto já questionou seu depoimento, em
parecer enviado ao Supremo.
Sabemos
agora que Costa e Youssef não lembram dos mesmos fatos quando falam de uma
possível entrega de R$ 2 milhões para a campanha de Dilma, num pagamento que
teria Antonio Palocci como intermediários.
Sabemos
também que enxergaram coisas diferentes quando se referem a um pagamento para
Roseana Sarney.
Do que mais não irão lembrar-se daqui para a frente? Do que mais
irão esquecer?
Vamos
contratar psicólogos a quem se atribui o poder de reavivar a memória de
crianças traumatizadas?
Embora
a delação premiada seja aceita em várias partes do mundo, o método empregado
nas investigação da Lava Jato não é garantia de um esforço para se obter a
verdade. Numa forma óbvia de coerção, os acusados enfrentaram longos períodos
de prisão preventiva antes de serem convencidos a falar.
Por
isso, é sempre bom repetir aqui os ensinamentos da Suprema Corte dos Estados
Unidos, em 1966, quando estabeleceu regras para garantir que um acusado tivesse
o direito de não ser induzido, pela polícia, a confessar um crime. Veja só. Não
se falava de delação. A preocupação era impedir impedir que o sujeito seja
levado a se auto-acusar. Imagine as cautelas necessárias para impedir que ele
acuse outra pessoa — um exercício menos doloroso, vamos combinar, ainda mais
quando pode trazer vantagens a quem acusa. Diz que a resolução:
“Concluímos
que, sem salvaguardas próprias, o interrogatório sob custódia de pessoas
suspeitas ou acusadas de crime contém pressões que operam para minar a vontade
individual de resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria
em outra circunstância. Para combater essas pressões e permitir uma
oportunidade ampla do exercício do privilégio contra a autoincriminação, o
acusado deve ser adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses
direitos deve ser completamente honrado.”
Preste
atenção o princípio: a delação tem valor quando é voluntária, livre de ”
pressões que operam para minar a vontade individual de resistir.”
Quem
se der ao trabalho de conhecer uma teoria chamada Dilema do Prisioneiro, irá
entender o que digo. A base se encontra na internet mas é possível fazer um
resumo. Estudiosos das técnicas de interrogatório compreenderam que é possível
manipular membros de uma mesma quadrilha, já aprisionados, jogando uns contra
os outros, quebrando a confiança que possa existir entre eles e convencendo
todos a falar mais do que gostariam. A experiencia ensina que a teoria
funciona.
Mas,
como tudo que envolve pontos sensíveis da alma humana, produz depoimentos
longos, detalhadas mas que nem de longe são garantia de verdade. Essa é a questão.
Ouvi,
há quinze anos, o depoimento reservado de um engenheiro que dizia ter
testemunhado o funcionamento de um milionário esquema de superfaturamento de
obras e lavagem de dinheiro na gestão de Paulo Maluf na prefeitura de São
Paulo. O assunto virou manchete por meses. Na hora de depor a Justiça, quando
suas palavras teriam o poder de inocentar ou condenar, ele voltou atrás, disse
que havia se enganado e o caso foi encerrado.
O
escândalo de delação premiada contra o governo de José Roberto Arruda, do
Distrito Federal, baseava-se na delação premiada de um secretário de Estado.
Instruído pelo Ministério Público, ele gravou vídeos que continham diálogos e
imagens nas quais entregava-se dinheiro para parlamentares, secretários — e o
próprio governador. O problema é que os vídeos eram editados, não era possível
verificar quando a gravação havia começado e quando havia terminado — o que
alimentava a suspeita de montagem. As provas foram anuladas.
Uma
delação é sempre um depoimento complicado. Isso porque ela é motivada pelo
interesse de uma pessoa acusada em livrar-se, de qualquer maneira, de uma
acusação. A palavra do co-réu é sempre colocada em dúvida, aprende-se nos
cursinhos preparatórios de uma faculdade de Direito.
Quando
falamos de delação premiada, estamos acrescentando uma complicação a mais: a
pessoa negocia cada palavra, cada frase, em troca de um benefício. O acerto é
consciente, escancarado. De certa forma, é um negócio.
Uma
mentira — ou duas, para ser mais preciso — é tão preocupante que os advogados
dos réus anunciam para breve uma reconciliação de versões. Isso quer dizer que
teremos, em breve, a versão premiada?

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