Holofotes para o goleiro Bruno banalizam o feminicídio, dizem jornalistas

goleiro Bruno Fernandes de
Souza
 foi apresentado hoje (14) como reforço do Boa Esporte, de Varginha (MG), que atua na
série C do campeonato brasileiro. A contratação do goleiro, condenado por
participar do sequestro e assassinato da modelo Eliza Samudio em 2010, criou
polêmica: uma parcela da sociedade acredita que o jogador merece nova chance,
depois de ganhar liberdade por ter conseguido um habeas corpus,
enquanto outra pede boicote ao clube.
Ainda que os patrocinadores tenham
abandonado o clube por esse episódio, a associação ao nome do goleiro está
projetando o Boa Esporte na mídia nacional. Para a jornalista Juliana Arreguy,
do site Dibradoras, “Bruno merece uma segunda
chance, prevista por lei, e que deveria ser regra entre todos os egressos (do
sistema prisional
)”. Mas o que preocupa, acrescenta, é o destaque dado
ao seu retorno ao futebol. “Num país em que a violência doméstica e o feminicídio são
banalizados, deixar que o goleiro ocupe um posto de evidência é
problemático”, afirma.
Segundo o advogado de Bruno, Lúcio
Adolfo da Silva, nove clubes fizeram proposta
pelo goleiro
. Juliana questiona a importância dada pelos times para
a ressocialização do atleta, ao mesmo tempo em que viram as costas para outros
ex-detentos. “Se nossos clubes tivessem uma preocupação mínima com a
situação dos egressos no país, poderíamos falar em ressocialização. Mas quantas
vezes as equipes se preocuparam em empregar alguém que já passou pelo presídio?
Por que a ressocialização de Bruno é tratada com tanta importância diante das
outras?”
Nas redes sociais, torcedores de
diversos times pedem o boicote ao Boa Esporte. Alguns, até incentivam que o
goleiro seja “linchado” verbalmente durante as partidas que disputar.
A jornalista Natália Martino, integrante do Projeto Voz (conjunto de iniciativas nas
áreas de educação e comunicação desenvolvidas em unidades prisionais), critica
o comportamento “punitivo” da sociedade. “Nosso sistema penal
diz que as pessoas podem ter outras chances. Não é um sistema de vingança, é o
da ressocialização. Se tivermos que voltar ao tempo em que as pessoas que
cometeram crimes têm que sofrer, então voltaremos à tortura em praça
pública.”
Mas Natália também comenta a facilidade
com que o goleiro conseguiu a “segunda chance” e critica a falta de
espaço para outros. “O problema é o Bruno voltar a trabalhar? Não. O
problema é quem voltar à sociedade e não trabalhar, não conseguir se reinserir.
Nosso sistema diz que não tem prisão perpétua, mas tem um atestado que
praticamente impossibilita  a elas voltar porque não tem oportunidades. No
caso do Bruno, ele tem o talento com futebol, mas tem o problema em ocupar um
espaço de ídolo.”
Bruno foi acusado de ser o mandante do
sequestro e assassinato da ex-namorada Eliza Samudio. Ele estava havia seis
anos e sete meses preso, sem ser julgado em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. No último dia 23, o
ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que
o jogador tem direito a esperar o julgamento em liberdade e concedeu habeas
corpus
.
Natália vê uma situação de
“falência” do sistema judiciário brasileiro e diz que nem todos os
presos, ainda que nas mesmas condições, têm a mesma chance de Bruno. “Ele
ainda não foi julgado, então juridicamente não devia estar lá. Há um problema
no nosso sistema, porque usar esse tipo de recurso é caro e a população
carcerária não tem saúde financeira para isso. Então, a gente nega a mesma
defesa para a maioria da população carcerária”, avalia. “A gente
precisa ser coerente. Se defendemos que a população carcerária seja tratada com
dignidade e com direito de defesa, não podemos negar isso a nenhum preso”,
acrescenta.
Marketing falho
O Boa Esporte contratou Bruno para
atrair mídia e marketing para o clube. Entretanto, nos últimos dias, depois do
anúncio, cinco patrocinadores já abandonaram o time mineiro, inclusive o
principal e a fornecedora de material esportivo: o Grupo Góis & Silva, além
de Kanxa, Cardiocenter Varginha, Magsul Ressonância Magnética e Nutrends
Nutrition.
Em nota, o Boa
afirmou que está “apenas cumprindo sua obrigação social”. “A
ação teria sido mais efetiva se o clube liderasse um movimento pelos egressos
do país, e não apenas Bruno”, observa Juliana. “Um clube que pensa em
contratá-lo visando ao marketing não se importa com a mensagem que passa a seus
torcedores. É como se defendêssemos que é normal abandonar um filho e matar uma
mulher.”
Ela também acredita que o clube não
pensou nas próprias torcedoras e funcionárias e se mostrou conivente com a
violência doméstica e o feminicídio. “Por mais que Bruno, em si, possa não
ser mais uma ameaça, o clube sinaliza que não se importa com a segurança
doméstica de tantas mulheres que fazem parte do seu dia a dia.”
Feminicídio
Juliana, do Dibradoras, também critica
a forma com que Bruno foi recebido pelos fãs e lembra do torcedor com uma máscara de
cachorro
 – em referência à morte de Eliza, que supostamente
teve os ossos jogados para cachorros – ao cumprimentar o goleiro. Para a
jornalista, isso reforça que a sociedade banaliza a violência de gênero.
“Temos parlamentares retrógrados e um presidente conservador. Essas
atitudes mostram como as pessoas não se importam que uma mulher tenha sido
assassinada, porque um pai não queria pagar a pensão do filho.”
“Muita gente relativiza o
feminicídio. Não entende que existe uma violência específica de gênero e
defende que ‘violência é violência’, independentemente da vítima. Os crimes
tratados como passionais pela mídia são, na verdade, crimes contra a mulher e
há cada vez mais estudos e números que comprovam isso”, acrescenta.
Ela também critica o tratamento da mídia sobre
o caso. Segundo ela, ao noticiar a soltura ou a contratação, o crime não é
mencionado. “Considero isso uma forma de violência velada. As declarações
de Bruno também foram replicadas tratando-o como vítima. Bruno não é e nunca
foi vítima. Tratá-lo como vítima é desrespeitoso e muito perigoso – quantos
outros não se acharão impunes para agredir suas parceiras? É trocar o papel do
agressor com o papel da vítima.”

 Fonte: RBA

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